Verônica Bezerra

QUANDO A ÚLTIMA TRINCHEIRA É A ORDEM, NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA SOCIEDADE

Verônica Bezerra, advogada, Conselheira Seccional da OAB-ES, Diretora de Direitos Humanos da OAB-ES, Doutoranda em Ciência Sociais, Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, Especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Os direitos humanos não são dados, mas sim construídos e conquistados. Enquanto uma invenção humana, que se constroem e reconstroem continuamente, e para isso precisa sempre uma vigilância por parte da sociedade, e em especial, entidades que compõem a sociedade organizada, sendo uma delas, a Ordem dos Advogados do Brasil.

Em apertada e superficial análise, os direitos humanos são um reconhecimento de que todos os seres humanos têm direitos básicos que devem ser respeitados e garantidos. Direitos que possuem características inegociáveis: são universais, ou seja, são aplicados a todos os seres humanos sem discriminação; são inalienáveis, ou seja, não podem ser retirados de ninguém; são indivisíveis, ou seja, todos os direitos humanos têm o mesmo valor e não são absolutos, ou seja, não existem fora da sociedade humana.

Desta feita, seguindo o preconizado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi criada em 1948, para resguardar os direitos humanos já existentes, é importante a consciência crítica e coletiva de que a defesa, proteção, promoção e educação em direitos humanos é uma luta cotidiana, travada por entidades da sociedade civil, entre elas, com status constitucional, a Ordem dos Advogados do Brasil, que trata-se de uma entidade de serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, que tem por finalidade, prevista o artigo 44, I, do Estatuto da Advocacia: defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

A história dos direitos humanos na OAB, vem de longa data e está relacionada com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil na defesa de direitos fundamentais, principalmente em momentos difíceis do país. Durante a ditadura, a OAB cumpriu um papel importante com grandes advogados que foram resistência. Nos momentos de crises entre os poderes da república, a OAB é instada a se colocar no front. No momento de defesa da democracia a atuação da OAB foi imprescindível, com vistas a proteger o estado democrático de direito e os direitos conquistados.

No Estado do Espírito Santo, a história da atuação da OAB/ES não foi diferente, no que tange a tenacidade e coerência com os princípios constitucionais. Foi assim na década de 1990, quando a OAB/ES já acompanhava a criação do Fórum de Entidades do Campo e da Cidade e do Fórum Permanente Contra a Violência em Defesa da Vida, em 1992, momento em que a sociedade capixaba enfrentou uma conjuntura de muita violência e impunidade. Em 1999, houve uma “adaptação” dessa inovação organizacional por meio da criação do Fórum Permanente Contra a Violência e a Impunidade – Fórum Reage Espírito Santo. Esse fórum adaptou a inovação produzida antes via adição de atores e conexões locais, a exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB- -ES) e do Ministério Público na formação de coalizão ampla de apoio à causa, num momento de densidade da mobilização.

 

Com um movimento robusto e atuante, os protestos alcançaram maior poder de mobilização, quando o nexo entre impunidade e corrupção alcançou a mídia. Em 1999, a passeata que mobilizou 8 mil pessoas, em Vitória, a Caminhada pela Paz que reuniu 2 mil participantes. Os protestos foram acompanhados de atos públicos e performances simbólicas em frente ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Contas, com a lavagem da escadaria que aludia à corrupção e às práticas criminosas quanto às contas públicas. Outro protesto de grande projeção foi a Caminhada contra a Corrupção e Crime, cujo local de encerramento foi o Tribunal de Justiça. Esses repertórios institucionais se destacaram enquanto táticas colaborativas do movimento com atores estatais e instituições com pontos de acesso àqueles.

Com resultado dessa mobilização, que tinha a OAB/ES como uma das protagonistas, aconteceram: abertura de CPI; confecção de relatórios; realização de diagnósticos e denúncias conduzidas por órgãos públicos apoiadores; pedido de intervenção federal; apresentação de petição pública; reuniões com autoridades; participação em conselhos e audiências públicas; propositura de ação civil pública.

 Nos primeiros anos da campanha foi de grande repercussão a ação civil pública impetrada pelo MPF, em 1996, pela dissolução da SDLC. Essa foi antecedida pelo dossiê da CPAE, sobre o crime organizado e seu “relatório de ameaças à Comissão”, ambos de 1993; e pelo “Dossiê Gabriel Maire” da Comissão Permanente de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos da ALES, de 1994. No pico da campanha e de criação do Fórum Reage ES destacou-se a abertura de várias CPIs, relevante no prognóstico da campanha. A mais importante foi a CPI do Narcotráfico da Câmara Federal, instalada de 1999 a 2000, que confirmou as denúncias de ações do crime organizado.

Os ativistas do movimento colaboraram nas investigações com depoimentos e evidências, agindo na confecção dos relatórios, dossiês e ação civil pública. Também cooperaram na elaboração do pedido de Intervenção Federal no Espírito Santo, em 2002, compondo a comissão debatedora da intervenção federal. O pedido foi impetrado pela OAB-ES, junto ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) do Ministério da Justiça (MJ).

Em julho de 2002, uma bomba explodiu na sede da OAB/ES, no banheiro masculino no quarto andar. Havia no momento cera de 130 pessoas no local, pois ocorria no momento solenidade de entrega de carteira.

Esse breve histórico é fundamental para nos relembrar o quão grande foi e deve ser o papel na Ordem perante a sociedade, em vários aspectos, mas principalmente na defesa do estado democrático de direito e dos direitos humanos.

A OAB possui uma Comissão de Direitos Humanos que recebe e encaminha denúncias de violações desses direitos. Nesse contexto, a Ordem dos Advogados e sua Comissão de Direitos Humanos, se insere não apenas para refletir ou noticiar as violações, mas atua, sim, como protagonista e articuladora de ações que visam à efetivação de direitos fundamentais.

E ainda, realizar audiências públicas, debates e oficinas, tratando de temas como saúde, pessoa idosa, pessoas com deficiências, violência contra mulher, racismo, LGBTQIAP+, entre outros, levam as conclusões das ações junto ao poder público para a tomada imediata de providências visando ao reestabelecimento do direito violado e implementação de políticas públicas.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Estado do Espírito Santo continuará exercendo seu papel incansável de luta contra quaisquer interesses que semeiem o desrespeito à dignidade e a liberdade do cidadão, seja ele quem for. Seu instrumento de luta está representado pelo desafio diário de contribuir para que cada vez mais os direitos humanos sejam reconhecidos e que o cidadão e a cidadã, munidos desse conhecimento, possam alcançar na plenitude o que lhe é de direito: o exercício pleno da cidadania e fruir do bem-viver.

 

 

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