Thiago Ferreira Siqueira e Carlos Frederico Bastos Pereira

DEZ ANOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS

No dia 16 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.105 que instituiu um novo Código de Processo Civil no Brasil, substituindo o antigo Código que era do ano de 1973. E isso não é pouca coisa. Trata-se da lei infraconstitucional mais importante do país, responsável por disciplinar como se desenvolvem os processos judiciais em todo o Poder Judiciário brasileiro, tanto na esfera estadual, quanto federal.

Litígios de diversas naturezas são levados diariamente à Justiça Civil, envolvendo questões como direitos do consumidor, direito de família, direito tributário, disputas contratuais, problemas administrativos com o Poder Público, conflitos ambientais, entre outros. O Código de Processo Civil é a legislação responsável por regulamentar o procedimento de todas essas causas, desde o momento em que a ação judicial é proposta, passando pela primeira instância, pelas instâncias recursais nos tribunais e, ao final, na fase de execução das decisões judiciais. Sua importância, portanto, é imensurável.

Na Exposição de Motivos, a Comissão de Juristas que liderou a elaboração do Código destacou seu potencial para gerar um processo mais célere, mais justo, mais alinhado às necessidades sociais e muito menos complexo. Dez anos depois, é possível afirmar que os objetivos do Código ainda estão em construção.

Um dos principais avanços do Código promulgado em 2015 foi aproximá-lo dos valores constitucionais. Isso porque o Código reforçou direitos fundamentais dos litigantes previstos na Constituição, solidificando o devido processo legal como um pilar essencial do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, todos aqueles que participam do processo têm direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como a decisões judiciais devidamente fundamentadas. Têm também o direito de ser tratados de forma isonômica e de boa-fé, e de serem julgados por um juiz imparcial.

Outro ponto de destaque é a valorização dos precedentes judiciais. De forma inovadora, o Código determinou que as decisões dos Tribunais Superiores sejam observadas em todo o território nacional. As partes que ingressam com uma ação no Poder Judiciário esperam ser tratadas de forma semelhante a casos parecidos com os seus. Esse aspecto também é fundamental para a segurança jurídica: as pessoas passam a ter mais previsibilidade para orientar suas condutas, as empresas podem calcular melhor as consequências das escolhas em suas atividades, e o Poder Público é melhor orientado quando decisões dos Tribunais Superiores servem de diretriz para o comportamento social.

No entanto, embora o Código tenha trazido avanços significativos ao longo da última década, ainda existem desafios importantes a serem superados. Dois obstáculos principais se destacam.

Primeiramente, o Código não conseguiu resolver o problema do congestionamento e da morosidade da Justiça. Apesar de inovações importantes, como a valorização dos precedentes judiciais dos Tribunais Superiores, o tratamento adequado de casos repetitivos e a ampliação dos mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos, o volume de processos ativos no Poder Judiciário continua elevado, e a velocidade de tramitação ainda não atinge o nível ideal. Os dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), evidenciam essa realidade.

Outro desafio diz respeito à efetividade das decisões judiciais. A conhecida máxima do “ganhou, mas não levou” continua sendo uma preocupação central. O processo de execução – seja na esfera civil, entre particulares, seja na esfera fiscal, envolvendo o Poder Público e contribuintes – exige uma atuação mais integrada entre as instituições judiciais e extrajudiciais para identificar o patrimônio, garantindo que as condenações judiciais sejam efetivamente cumpridas.

Um Código de Processo Civil é uma obra humana e, justamente por isso, não é perfeito. Cabe às instituições judiciárias trabalharem de forma colaborativa e propositiva para que a interpretação e aplicação do Código atinjam suas finalidades essenciais. A perfeição, no entanto, é uma utopia, e como dizia Eduardo Galeano, é para isso que serve a utopia: para nos impulsionar a continuar caminhando.

 

Thiago Ferreira Siqueira

Advogado, Professor de Direito Processual Civil da UFES e Diretor-Geral da ESA/OAB-ES.

 

Carlos Frederico Bastos Pereira

Advogado, Professor de Direito Processual Civil da FDV e Coordenador do Departamento de Direito Processual da ESA/OAB-ES.

 

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