Artigo: Uma prática dolorosa que nos traz lucidez
Artigo da Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, Verônica Bezerra
Há pouco mais de um ano à frente da CDH OAB-ES, muitos foram os encontros e desencontros que vivenciamos. Diversas foram as situações de urgência e emergência que fomos levados a enfrentar, na tentativa de garantir a preservação dos Direitos Humanos.
Todos os lugares, precisamos ir. Diferente do que pensa a grande maioria, não vamos somente ao presídio. Ouvimos lamentos, denúncias, choros, gemidos. Mas também ouvimos risos e esperança.
O fevereiro de 2017 que vivenciamos, e que, diga-se de passagem, não nos recuperamos, ainda, (se é que algum dia algumas pessoas recuperarão), deixou marcas indeléveis e tocou muitas pessoas.
Duas delas foram: Lucas e Marina. Marina é Pedagoga, ingressante no mestrado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Lucas é Advogado Criminalista, militante em Direitos Humanos e Frade Dominicano.
Eles me enviaram o poema abaixo que, com extrema sensibilidade e lucidez, traz para nós um viés do fevereiro de 2017, que alguns teimam em ignorar: a democratização da violência. A falta de policiamento ostensivo, toques de recolher, assassinatos, roubos, furtos, escolas sem aula, posto médico fechado e medo, era privativo dos bairros de periferia. Corrigindo, é privativo. Sim. A greve acabou, mas ainda hoje em nosso Estado, bairros ainda vivem essa realidade, mas não é notícia, mesmo que as pessoas sintam tudo o que a gente sentiu entre os dias 03 a 25 de fevereiro. Por isso, publicizamos o poema de Marina e Lucas,
CANTO SANTO DE PAZ
Estava a violência guardada no gueto
Até que o guarda cansou de guardar
E a violência qual golpe de vento
Mudou-se pro Centro
Respirou outro ar.
O silêncio da paz agredido
Ofendido
Em seu desespero começou a gritar
O Espírito Santo que é vento
Que é brisa
Na montanha ou no mar
Nem mais o seu congo saiu pra dançar.
O povo guerreiro lutou outra guerra
A guerra do medo trancado em seu lar
Mas homens valentes saíram com armas
E a violência de volta pro gueto
Pro pobre
Pro preto
Fizeram voltar.
Agora podemos nos ver outra vez
Sem voz
E nem vez
Devemos gritar
Pela paz duradoura que nunca chegará
Pelas armas do Estado
Onde o Estado não chega
Onde só chega a fome e o extermínio
Viver é lutar
Seja com o silêncio da morte do menino
Ou da vida da mulher
Quando a ordem é ocultar
O povo permanecerá
Com medo do medo que pode voltar
Quando nos encontrarmos
Na Praia do Canto
Nos bares do Centro
No Santo Convento
Ou
Na mesa do Altar.
Em São Pedro e seus morros
Vila Velha e seus becos
Adalberto e ladeiras
Um só povo a clamar
Numa só voz
Na Eucaristia
Vida, Páscoa, Partilha,
Morte e Ressurreição
Celebrar é memória
É fazer a história
Nunca desanimar
É silêncio! É choro!
É sorriso a brotar.
É canto de Paz
Neste solo que é Santo
Povo de todo canto
Canto novo a entoar!