DEMOCRACIA E LIBERDADES: UMA PERSPECTIVA TRAZIDA PELA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
No dia 09/08/2024, em palestra ministrada pela Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em comemoração ao dia do advogado, foi debatido o tema “Democracia e Liberdades”. Em um momento de extrema percepção social e jurídica da realidade em que vivemos, a Ministra, para explicar as consequências das informações que recebemos atualmente, enumerou o que ela chamou de 4 “v”.
Volume de dados - Refere-se à quantidade de dados que recebemos em um dia.
Velocidade desses dados - Como o nome é autoexplicativo, refere-se à velocidade desses dados que recebemos, o que, para a Ministra, retira da mente humana a capacidade cognitiva do senso crítico.
Viralidade - A Ministra trata os dados como um vírus, que se espalha em grupos que, em regra, pensam da mesma forma.
Verossimilhança - Após a viralidade, os dados que não passaram por um senso crítico cognitivo se transformam em verdades imutáveis, permitindo que o indivíduo acredite em informações que são inverídicas, que muitas das vezes beiram ao absurdo lógico.
Para a Ministra, tais dados, produzidos por um algoritmo que não é imparcial e que é fruto de uma relação comercial custosa, nos atingem de tal forma que, em vez de se transformarem em uma ferramenta de liberdade (como alguns assim pensam), excluem o nosso senso crítico, impedindo o nosso pensamento individual e enraizando verdades que não existem, prejudicando as mais variadas relações humanas, sociais, jurídicas e políticas.
Revisando a fantástica obra de Criminologia do Professor Sérgio Salomão Shecaira, em que o mesmo cita o Professor Alberto Silva Franco, podemos perceber um fragmento que muito explica o que a Ministra Cármen Lúcia nos ensinou. Vejamos:
“Os meios tecnológicos diversos permitem que o objetivo principal desse processo seja “tornar-se o único interlocutor do cidadão, não só prestando-lhe todo tipo de informação, mas também o colocando em conexão com todos os meios de comunicação disponíveis. Se, de um lado, permite que o cidadão passe a dispor de um volume de informações nunca dantes colocado à sua disposição e seja dotado ainda de uma incrível capacidade de comunicação, de outro lado, pode levá-lo a ser contaminado por tais informações ou ser oprimido pela tirania comunicacional, maxime quando a informação e a comunicação são postas a serviço de colossais empresas transnacionais que obedecem à lógica, aos interesses, à dinâmica e aos objetivos do mercado. A informação insistentemente repetida pelos meios comunicacionais [...] anestesia e, em seguida, manipula a consciência das pessoas, a tal ponto que estas passam a acolher os mandamentos do mercado como verdades incontestáveis, dando reforço, deste modo, ao pensamento único. E, de todas as ilusões, a mais perigosa consiste em pensar que existe apenas uma só realidade.””1
Quando perdemos a nossa capacidade humana de pensar e analisar as informações que recebemos, ficamos reféns de condutas que excluem a nossa individualidade, retirando a nossa liberdade de escolha. Escolhas que podem ser simples do nosso cotidiano, como escolhas coletivas que podem influenciar o nosso modo de viver em sociedade, como o voto.
Em tempos de eleições municipais, a Justiça Eleitoral Brasileira é a mais atingida por esse fenômeno, em que dados inverídicos são consumidos em uma velocidade absurda pela sociedade, atingindo a liberdade do voto, atacando a honra de candidatos adversários e influenciando significativamente na escolha (sem liberdade concreta) do eleitor.
O debate amplo, jurídico e social se faz necessário com todos os operadores do direito, autoridades políticas e sociedade civil organizada, para que as instituições democráticas possam combater o que a Ministra Cármen Lúcia chamou de um “vírus sem vacina”, antes que o mesmo atinja as correntes sanguíneas do Estado Democrático de Direitos de tal forma, que se torne uma doença irreversível.
JEFFERSON OLIVEIRA LORENCINI
Advogado Criminalista. Pós-graduado em Segurança Pública e Ciências Criminais.
Referência: Shecaira, Sérgio Salomão. Criminologia. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Thomson Reuters Brasil. 2021.