Victor Athayde Silva

A perniciosa imprescritibilidade nas ações relativas aos reflexos civis da usurpação mineral.

O Tema de Repercussão Geral (TRG) 1.268 em trâmite no Supremo Tribunal Federal - STF, decidido no Recurso Extraordinário 1.427.694/SC, decidido em Setembro.2023, sob relatoria da Min. Rosa Weber, estabelece que “é imprescritível a pretensão de ressarcimento ao erário decorrente da exploração irregular do patrimônio mineral da União, porquanto indissociável do dano ambiental causado”

 

Com a máxima vênia, ousamos discordar. A primeira questão a ser analisada é o fato do reconhecimento da repercussão geral, ante o interesse nacional mineração, expresso no texto constitucional, e sua reconhecida utilidade pública, em várias normas infraconstitucionais.

 

Outras Temas fixadas pelo STF possuem relação com a objeto deste artigo, trata-se do 666[1] e do 999[2].

 

No Tema 1.268, o STF distinguiu a questão do Tema 666 e vinculou a questão ao Tema 999, de forma automática e presumida, gerando insegurança jurídica à toda cadeia produtiva da mineração.

 

Há ausência de fundamentação legal para que a imprescritibilidade seja adotada como regra. A prescrição, no Estado Democrático de Direito, tem o papel de estabelecer ambiente de segurança jurídica, princípio básico do desenvolvimento da atividade minerária no país, ante seus pressupostos, como o alto risco dos empreendimentos, longo prazo de maturação, investimentos privados, etc.

 

Ademais, o Tema 1.268 produz uma generalização desassociada da realidade pois, em que pese a ausência conceitual regulatória entre exploração/explotação irregular ou ilegal e seus efeitos, a experiência mostra que existe quem minerou, sendo titular de requerimento, mas não teve resposta em tempo razoável ao seu pedido de título de lavra ou guia de utilização, mas também existem mineradores clandestinos, que invadem área requerida e praticam a sua atividade. São quadros que devem ser tratados de maneiras diferentes, mas que o Tema não o faz.

 

Ademais, o dano ambiental não pode ser presumido, há de ser comprovado e devidamente mensurado, comportando a aplicação de cada esfera de responsabilidade. A violação à normas administrativas, por exemplo, não pressupõe dano ambiental.

 

Desta forma, em que pese a indissociabilidade do bem ambiental também ser o bem mineral, há a aplicação de áreas distintas do Direito, a saber o Direito Ambiental e o Direito Minerário, cada um com regras, princípios e legislação próprias, há de se ter parcimônia, pois o bem mineral é mero patrimônio do ente federativo União, o bem ambiental tem caráter difuso.

 

Inclusive, o dano ambiental é reparado in loco e, se impossível, em pecúnia destinada à fundo especializado (Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD)), de gestão estatal, mas também socialmente participativa, conforme disciplina da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985). Já o dano por exploração desconforme do bem mineral não é destinado para um fundo de gestão socialmente participativa, mas para o tesouro.

 

Seria prudente que o Tem 1.268 fosse cuidadosamente modulado pela Corte Suprema, para: (i) que haja tratamento equitativo, conforme o caso concreto, em face dos condenados em ações cíveis decorrente de exploração de bem mineral, tendo em mente que existem os irregulares, mas também clandestinos; (ii) que haja razoabilidade, e equidade, na definição dos parâmetros indenizatórios patrimoniais pela exploração do bem mineral, tendo em vista, principalmente que, constitucionalmente, à União é impedida executar atividades empresarias (logo, o preço de mercado do bem explorado, ou o faturamento bruto da mineradora, não parece um critério legal) e o único valor que lhe é devido é o referente à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).

 

É público e notório o desinvestimento da União na gestão administrativa do bem mineral do Brasil, a míngua de recurso humanos e contingenciamentos vêm de décadas, isso gera ineficiência nas conclusões de procedimentos de concessões o que estimula a informalidade. Se a prescrição é avanço civilizatório, a imprescritibilidade prevista pelo Tema 1.268 soa como um desmerecido prêmio à uma conduta que passa longe das virtudes.

Autores:

Victor Athayde Silva – Presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB/ES

Thalysson Rocha - Secretário

Urquiza Holanda

André Cogo Campanha

Johann Soares de Oliveira

 

[1] “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

[2] “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.

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